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Produção Teatral Negra: Estratégias de Autonomia e Resistência

  • Foto do escritor: Ana Mota
    Ana Mota
  • 10 de jun.
  • 4 min de leitura

Pensar a produção teatral negra e periférica é pensar e construir estratégias firmes e sofisticadas de sobrevivência do teatro e da cultura negra. A produção teatral com o nicho voltado à negritude está diretamente ligada à dialética e à subjetividade negra e é igualmente múltipla e diversa. 

Para que uma peça teatral exista é necessário todo um time de profissionais envolvidos, desde os idealizadores, dramaturgos, atores, diretores, equipe técnica, iluminadores e sonoplastas, entre outros. Um dos pilares que sustentam a construção e a circulação de um espetáculo é a produção, são os profissionais que estão nos bastidores da cena, que organizam e preparam cada etapa de vida de um produto artístico. São eles os responsáveis pela parte administrativa da coisa: pelos contratos, pela comunicação com espaços de ensaio e de apresentação, que tomarão a frente das negociações e venda do projeto. Eles se certificam de que tudo que seja necessário para a existência da peça esteja organizado por função e dentro do prazo, além de serem os encarregados da parte financeira do projeto. As responsabilidades da produção são variadas e complexas e dependem do tipo de contrato e do tipo de combinado entre grupo, projeto, produtora, instituição, edital, etc. 

Por ser o principal responsável financeiro dos projetos, seja ao ir em busca de financiamento do espetáculo, seja ao ser responsável pela contabilidade e distribuição do dinheiro já conquistado (como editais, fomentos, patrocínios), a produção pode ter um impacto significativo na parte artística e criativa do projeto. Se usarmos como exemplo a nossa peça, Elefante – cuja abertura de processo ocorreu em Fevereiro do presente ano –, existem alguns elementos criativos, materiais ou imateriais que passam pelo crivo da produção, produção esta responsável pela organização do orçamento. Orçamento esse que separa uma quantidade X de recursos para cada elemento. No espetáculo Elefante, temos uma boneca em cena, manipulada por uma das atrizes, e para a feitura desta boneca existe no orçamento um valor predeterminado para tal, que, em regra, não será drasticamente alterado. Temos elementos de figurino, cenografia, iluminação e, para cada um deles, existe um teto de valor a ser gasto. Nesse momento, a produção pode interferir diretamente na construção criativa e artística do projeto. 

Para além das interferências materiais, essas interferências podem também ser de ideias, de dramaturgia, de discurso, de símbolo e de imagem. E o que isso tem a ver com a produção teatral negra? Tendo em vista que vivemos num sistema capitalista, a parte financeira influencia diretamente na construção de uma peça teatral, isso aliado a uma estrutura racista e patriarcal, às relações de poder que coexistem entre as instituições, à produção teatral e aos artistas podem resultar numa influência direta na construção criativa e artística. Exemplo: uma peça teatral que fala abertamente de temas como o racismo e branquitude pode sofrer uma censura ou uma “sugestão” de suavização do tom em que esses temas estão sendo tratados, com argumentos de que “não conseguiremos vender a peça se o discurso for tão radical”, “não podemos responsabilizar diretamente os governantes ou instituições, pois isso terá consequências negativas para a produtora”, “é preciso que essa peça converse com todos os públicos”, esta última podendo ser traduzida para “o recorte de raça nessa peça não conversa com o público branco” –, ou seja, o público que importa. Esses são breves exemplos das microagressões racistas que os artistas sofrem ao longo de seus processos criativos, estando muitas vezes à mercê das decisões e direcionamentos de uma produção teatral branca que perpetua a estrutura racista já imposta. 

Uma produção teatral negra propõe uma relação estratégica e sensível entre os artistas negros, as obras que pensam a negritude e as instituições artísticas. Neste lugar queremos resgatar e manter uma autonomia sobre as nossas próprias histórias e as nossas próprias vivências. Partindo do princípio de que os profissionais negros na produção teatral e os artistas de teatro negro estão trabalhando numa mesma corrente, na qual lutam para que as vozes marginalizadas encontrem e construam espaços de protagonismo, a relação entre a produção e os artistas passa a ser de parceria mútua; o produtor vira um facilitador e não “mais uma etapa a ser superada” ou “mais uma pessoa ou orgão a ser convencido da potências das nossas histórias”. Dentro da produção teatral negra buscamos parcerias com outros profissionais negros, priorizando a contratação desses profissionais que são majoritariamente descartados numa lógica racista e anti-periférica, e criamos redes de apoio para a disseminação e divulgação desses profissionais. Na ausência de profissionais qualificados, encontramos formas de instrumentalizar essas pessoas, recusando um formato que se limita a continuar contratando os mesmos profissionais com o pretexto de que não existem artistas negros qualificados no mercado de trabalho. 

Finalizamos reafirmando a importância de que, nós, enquanto povo negro, tenhamos o direito a ter as nossas histórias contadas; nós , enquanto artistas e profissionais negros da arte, tenhamos o direito a expressão da nossa subjetividade e a ocupação de espaços. Agradecendo e seguindo os exemplos dos que vieram antes de nós e abriram caminhos de luta, de resistência e de conquistas.


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