Construindo identidades do território - FABIA PIERANGELI
- Renan Novais

- 20 de jun.
- 10 min de leitura
Essa primeira série de entrevistas da DESFORRA CRÍTICA!, foram feitas com artistas que são de uma imensa preciosidade, não só por serem criadores dos quais acompanhamos e admiramos o trabalho, ou porque já, em outras ocasiões, empreendemos parcerias nas realizações de projetos, mas acima de tudo, por serem artesãos da cultura que resistem bravamente em um cenário muitas vezes não tão favorável. Esses artistas continuam ano após ano, frente à todas adversidades, desenvolvendo trabalhos na região, trazendo, seja pelo teatro, pelo cinema, pela poesia, pelos trabalhos sócio-culturais, debates, reflexões, aprendizados e trocas. Criando não só um movimento cultural potente na região, mas um movimento que fortalece os vínculos sociais, os grupos, os encontros, e, possivelmente a mais poderosa delas, as nossas identidades.

A próxima entrevistada foi FABIA PIERANGELI, arte educadora, produtora cultural e atriz. Sócia fundadora da Associação Cultural CONPOEMA e integrante do Teatro Girandolá, através dos quais desenvolve projetos artístico culturais em Francisco Morato e região.
Fabia, me fala um pouco sobre você, e o que você faz enquanto artista?
Eu iniciei minha trajetória dentro da cultura em 1995 dentro do projeto de oficinas culturais de Franco da Rocha, embora morasse em Francisco Morato. Estudei parte do ensino médio em Franco da Rocha e comecei fazer teatro lá, me envolvi muito com o teatro, fiquei por anos fazendo as oficinas,
o teatro entrou na minha vida e nunca mais saiu.
Depois fiz a escola técnica de teatro no Macunaíma, depois fiz Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Artes Cênicas, na Unesp. Eu sempre fui buscar essas formações profissionalizantes fora da cidade, porque a gente não tinha opções de se profissionalizar por aqui, mas sempre trazia o que eu aprendia pra cá, para os grupos da região, eu sempre fiz parte de vários grupos da região, atualmente o grupo que eu faço parte é o Teatro Girandolá, onde estamos completando 18 anos de existência, e é o núcleo de criação artística da Associação Cultural Conpoema. O Girandolá surge antes da Conpoema, junto com a Ôxe Produtora fundam a Conpoema em 2012. A minha atuação expandiu o teatro, por conta da formação em arte educação, depois que me formei vim dar aulas nas oficinas culturais em Franco da Rocha e em francisco Morato, e passei a me envolver em projetos de cunho sócio cultural, tanto nessas oficinas quanto em outros projetos, e na Conpoema nós temos muito esse olhar voltado pro desenvolvimento de projetos sócio culturais. Então eu ainda atuo no teatro, e também atuo no segmento de literatura, de produção literária, de produção de festivais, tem o nosso espaço cultural onde eu atuo na gestão, temos uma biblioteca que tem um projeto de atendimento a comunidade, que é voltado para criança e adolescente, e eu também faço a coordenação pedagógica.
Você se lembra de algum momento em que a arte te surpreendeu? Ou aquele momento que você pensou: “Nossa, quero ser artista!”
Meu encantamento veio do fazer mesmo, quando eu tive a oportunidade de fazer as oficinas, de experimentar, fazer os jogos, apresentar uma peça de teatro, isso me fez pensar que eu queria viver pra fazer isso, viver pra fazer teatro. Mas do que algo que eu tenha visto, foi a experiência de ter vivenciado.
A oxi é uma produtora? Me conta sobre:
A Ôxe nasce em 2009, e nasce muito numa perspectiva de produção jornalística, onde produzimos o Informativo Ôxe, que por dez anos registramos a produção cultural da região, e a partir disso foram surgindo outros projetos, então o Girandolá e a Ôxe vão atuando muito juntos, e em 2009 fundamos o espaço que hoje é a sede da Conpoema. Aqui funcionava um escritório de produção da Ôxe e também era um espaço de ensaio do Girandolá, e virou um espaço para se fazer sarau, oficinas, logo o espaço extrapola essa primeira função de escritório e sala de ensaio. Nessa parceria a Ôxe vai assumindo esse lugar de gestão e produção, e o Girandolá a parte da criação artística, da difusão através do teatro, e juntos a gente funda a Associação Cultural Conpoema. Hoje a Ôxe Produtora é uma empresa de produção cultural, então ela produz os projetos aqui, dá todo o suporte, da Conpoema e também presta outros serviços para outros grupos.
Me conta um pouco sobre o Teatro Girandolá:
Surge em 2007, em uma época de muita aridez aqui na região, de qualquer linguagem artística, era um momento que não existia uma programação cultural, então a gente que fazia teatro e queria ir ver teatro, tinha que ir pra São Paulo, não existiam oportunidades de ver teatro, show, qualquer produção cultural aqui, a não ser as coisas que tinham nas oficinas, mas eram muito poucas. Hoje temos um cenário bem diferente, tanto no cenário cultural, quanto nas oficinas, tem um escopo com bastante oportunidades. Quando surgiu, éramos quatro pessoas recém formadas, atuando como arte educadores, então o Girandolá nasce, a princípio, com o desejo de criar um núcleo de produção cultural para a infância na nossa região, o nosso primeiro espetáculo é um espetáculo infantil, inspirado na obra de Mário Quintana de poesias para crianças, e a gente também nasce com o desejo de escrever os nossos próprios textos, não pegar textos já escritos, mas escrever a partir das vivências que tínhamos aqui, isso é uma premissa que a gente segue até hoje, nesses dezoito anos de atuação todos os nossos espetáculos são autorais, e dialogam com temáticas que vivenciamos aqui na região. A princípio pensamos que só íamos montar espetáculos infantis, mas acabou que esse foi o único, depois dele outras temáticas vieram provocando mais a gente, o nosso segundo espetáculo vem falando de violência contra a mulher, depois um espetáculo falando sobre a população indigena, um espetáculo criado com a comunidade indigena mesmo, e as coisas que foram surgindo nos chamaram mais pra esse universo adulto. Agora, dezoito anos depois, estamos de novo em um processo, buscando um outro trabalho para a criança.
O Teatro Girandolá trás em suas obras a pesquisa do cotidiano da cidade, para promover um diálogo mais potente com a comunidade. Foram feitas peças dentro do Complexo Hospitalar do Juquery e nas ruas do centro de Francisco Morato, como é a produção desse teatro, e a recepção do público para uma obra que se realiza fora do equipamento teatral?
Todos os espetáculos foram construídos dentro dessa perspectiva de abrir um diálogo, desde o início do processo. O Sevirismo foi o primeiro espetáculo que a gente criou na rua e para a rua, os outros espetáculos sempre foram pensadas para espaços alternativos, podiam ser em praças, nas ruas, o Sevirismo ele foi criado especificamente para a rua, fizemos uma ocupação de quase um ano no espaço que é conhecido como Ponte Seca, aqui em Morato, e era um momento que a prefeitura tinha tirado os camelôs dali, e o espaço estava passando por esse processo de luto mesmo, os comerciante que tinham ficado sentiram muito, porque as pessoas pararam de passar na Ponte Seca e isso impactou comercialmente os negócios deles. E a gente ocupou, fazíamos os ensaios lá, a gente se aquecia, cantava, e conversamos com as pessoas também. As pessoas ficavam curiosas e se aproximavam, a ideia éramos ouvir histórias daquele lugar, a receptividade era essa, eles paravam pra ver, nós estávamos pulando corda, alguns vinham e pulavam junto, então tinha essa vontade, e estarmos ali oportunizou a vontade delas de conversar e trocar com a gente. No Juquery, por exemplo, aconteceu dentro do hospital, com pacientes que ainda eram moradores, então cada espetáculo é uma história.
A Conpoema, (Associação Cultural Confraria Poética Marginal) como o nome já diz, “Confraria” é um conjunto de pessoas ou grupos unidos em prol de uma, ou algumas mesmas causas, no caso de vocês, a necessidade de se criar mais espaços que possibilitem uma expansão do acesso da comunidade a cultura. Me conta, o que é a Conpoema, e quais suas principais ações hoje:
Hoje estamos no bairro da Vila Suiça em Francisco Morato, e mantemos um espaço cultural, onde temos alguns espaços de múltiplo uso, e um desses espaços e uma biblioteca comunitária, ela foi fundada em 2016 para atender a comunidade e não sabíamos bem como ia ser, quem começou chegar em peso para a gente, foram as crianças, e elas trazem a necessidade de ficar no espaço, não queriam só pegar o livro e levar pra casa, queriam ler no espaço, daqui a pouco eles queriam brincar, fazer um pega pega, então o projeto vai se moldando conforme as necessidades que foram surgindo. Hoje a gente oferece diariamente oficinas culturais, atividade de mediação de leitura e momentos para eles ficarem livres, brincarem, além dos livros temos brinquedos, jogos de tabuleiros, outras atividades, é uma biblioteca e brinquedoteca. Temos o Conpoema Recebe que trás algumas atividades artísticas, apresentações, temos uma sala de multiuso com equipamentos de projeção para que outros artistas possam ocupar, que é o nosso espaço de ensaio também. É um espaço múltiplo uso e multi ocupado.
O que mantém a Conpoema?
Cada ano é um ano. Cada história é uma história. Nós utilizamos bastante do mecanismo de editais, é onde a gente mais busca, nesse setor da capacitação de recursos. Nós temos um leque de projetos, a atuação com teatro, o trabalho com a biblioteca, então a gente consegue acessar alguns tipos de recursos, mas já houve anos que não conseguimos acessar nenhum recurso de edital público, então fizemos campanha de financiamento, almoço comunitário, vendas de convites, campanhas de arrecadação, sensibilização, a gente vai se virando no ano como é possível, mas no geral, a gente inscreve os projetos em editais de financiamento público. Somos reconhecidos como ponto de cultura e ponto de leitura pelo ministério da cultura, então a gente consegue concorrer nesses editais e receber algum recurso.
Nós sempre vamos vendo onde nossos projetos têm algum tipo de visibilidade para conseguir incentivos e conseguir realizá-los.
Durante esse tempo de ação da Conpoema, houveram mudanças significativas na difusão da arte regional? As pessoas buscam por ações e projetos que a CONPOEMA esteja produzindo ou envolvida?
Onde a comunidade mais influenciou foi no projeto da biblioteca, e não era nosso sonho fazer uma biblioteca, mas desde que a gente fundou o grupo, as pessoas procuravam a gente para doar livros e a gente pegava e guardava, no final de 2015 estávamos com uma boa parte do nosso espaço ocupada por caixa de livros, nós percebemos que tínhamos um acervo grande de arte e teatro, e também de literatura infanto juvenil, temos bastante livros de psicologia, sociologia, política. No final de 2015 idealizamos experimentar colocar esses livros disponíveis como biblioteca, e foi isso que contei, chegaram as crianças e não queriam ir embora, ficavam pra bater um papo com a gente, queria desenhar, fazer alguma coisa, então fomos muito atravessados por essa comunidade, e como já tínhamos essa escuta do teatro, com a biblioteca isso foi para outro nível, escutamos e fomos melhorando o espaço, pensamos numa programação para elas, trazendo educadores, propomos oficinas culturais, e o projeto hoje, como funciona, foi completamente desenhado nessa escuta ativa mesmo, com a comunidade, com quem estava vindo aqui.
Quais as ações da cidade, ou mais especificamente da Secretaria de Cultura em prol da continuidade das ações da Conpoema? Existe algum auxílio?
Neste momento não. Nossa única parceria que tivemos foi em 2024 e 2023, onde eles enviaram oficinas para a gente, que eram oficinas contratadas pela Secretaria e os professores realizavam aqui no espaço, mas essa foi nossa única parceria nesses dezoito anos de atuação.
Qual a importância de difundir arte na região, e de levar projetos artísticos às áreas periféricas do município?
A gente acredita na promoção da arte, da cultura, como ferramenta de transformação social, e num sentido bastante profundo, todas as pessoas que fundaram o Girandolá e a Conpoema, e trabalham nos projetos são pessoas aqui da região, que cresceram numa região periférica e que foram impactadas de alguma forma pela arte e pela cultura, e essa busca gera uma transformação da realidade, as pessoas buscaram seguir isso profissionalmente. Meus amigos tem uma história muito parecida com a minha, de crescer numa região periférica, de uma infância de dificuldades de acessos, e vislumbrar na arte um espaço de profissionalização e melhoria de qualidade de vida em todos os sentidos.
A missão da Conpoema é promover arte e cultura como ferramenta de transformação social.
O acesso à informação, à arte e cultura, vai impactar na forma de sonhar coisas diferentes.
Vocês tiveram por dez anos o Informativo Oxê, um jornal que trazia diversas informações culturais da cidade, bem como manifestações artísticas e educacionais. Qual a importância de se manter um veículo de informações referente as ações artísticas na região?
Em 2009 não tínhamos o acesso a internet tão democratizado, nem celulares com acesso e super câmeras, tanto que antes desse período o Teatro Girandolá tem pouquíssimos registros, porque ninguém tinha, não tínhamos equipamentos para registrar, fotografar nossas apresentações. O Ôxe surge dessa observação, de coisas sendo produzidas e não registradas, nós tínhamos uma sessão dentro do informativo que chamava “Na Faixa”, e era onde a gente divulgava as apresentações de toda região, entramos em contato com as pessoas que estavam fazendo, porque é isso também, as pessoas tinham dificuldades de divulgar, hoje você já consegue. Nós imprimimos 5000 exemplares e saímos distribuindo em vários pontos de distribuição entre Franco da Rocha e Francisco Morato, eram mais de 200 pontos de distribuição. E era importante para registrar as próprias ações do Girandolá e do próprio Ôxe, e também as ações dos outros realizadores. Criamos uma rede de contatos muito grande aqui na região, que se mantém até hoje. O Ôxe era um jornal comunitário, as pessoas podiam escrever nele, podiam enviar o que seria publicado, em um momento pensávamos que seriam reclamações, e fomos surpreendidos, pois chegaram muitos textos literários, poemas, crônicas, contos, nós fomos surpreendidos positivamente porque as reclamações vieram, mas em forma de arte, e esse incentivo foi muito bom, muito legal. Depois a s redes sociais ganharam muita força, e percebemos que a mídia impressa já não tinha tanta função, finalizamos o Informativo Ôxe em 2019.
Produzindo arte na região, o que é ou quais são suas maiores dificuldades, ou do coletivo?
A questão financeira sempre impacta na questão da continuidade. Essa instabilidade sempre pega na gente,
como eu disse, cada ano é um ano, cada história uma história. Cada ano a gente fica pensando, como é que a gente se mantém? Ainda mais quando não temos recursos, como é que a gente se reorganiza dentro do grupo, dos projetos, se concilia com um outro trabalho para manter aqui. Isso traz uma certa fragilidade.
Tem alguém na cidade ou na região que produz arte e que você acha incrível?
Todo mundo que está produzindo está fazendo um trabalho incrível, quem está em atividade e se mantendo. Hoje tem muitos, ainda bem, em 2007 tinham poucos grupos atuando, hoje a gente tem bastante grupo passando de dez anos de existência. E que incrível esse momento na nossa região de ter tanta gente existindo e resistindo. E ver outras pessoas produzindo, nos dá um gás pra gente produzir também. A gente faz aqui, a Casa Realejo fazendo na praça, tem a Caverna da Cultura, as meninas da Baciada das Mulheres em Franco da Rocha. E isso muito por conta das leis emergenciais, das Pnab’s.
O que a Fabia ainda gostaria de produzir na cidade? Aquele sonho que vem na sua cabeça às vezes:
Agora eu desejo que a gente crie uma nova obra para a infância, nossa origem veio deste lugar e fomos criar outras coisas, embora continuamos com esses trabalhos para a infância dentro da biblioteca, e agora estamos de novo com esse olhar voltado para isso. Nesse momento é o meu desejo, meu sonho.
Fabia, a arte é importante pra nós, por que?
A arte cria possibilidades da gente sonhar, e nessa perspectiva, especialmente da região em que a gente está, da periferia, a arte tem esse papel de possibilitar que a gente sonhe outras realidades, outras coisas. Que a gente sonhe em transformar a nossa realidade.
Você pode nos deixar uma recomendação? Uma música, um poema, um vídeo ou recomendar um livro?
Nossa, são tantas referências, mas vou deixar um filme: “A Língua das Mariposas”










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